Motor AP: O Coração Valente da Volkswagen que Marcou Gerações no Brasil
O Motor AP, sigla para "Alta Performance" (ou "Alto Desempenho", como ficou popularmente conhecido no Brasil), é mais do que um simples conjunto de peças metálicas; é uma verdadeira lenda da engenharia automotiva, especialmente para os entusiastas brasileiros.
Produzido pela Volkswagen por
décadas, este propulsor equipou uma vasta gama de veículos icônicos e
conquistou uma reputação inabalável de robustez, durabilidade e, crucialmente,
um imenso potencial para preparação.
Neste artigo completo, mergulharemos na história,
características técnicas, vantagens, desvantagens e no legado indelével do
Motor AP no cenário automotivo nacional.
As Raízes Alemãs: A Família EA827
Para entender o Motor AP, precisamos voltar às suas origens.
Ele é um descendente direto da família de motores EA827 (Entwicklungsauftrag
827, ou Pedido de Desenvolvimento 827) da Audi, lançado originalmente em 1972
na Alemanha para equipar o Audi 80.
Este motor de quatro cilindros em linha, com bloco de ferro
fundido e cabeçote de alumínio com comando de válvulas simples no cabeçote
(SOHC) acionado por correia dentada, já nasceu com características que se
tornariam suas marcas registradas: simplicidade construtiva e grande
resistência.
A Volkswagen, que havia adquirido a Audi em 1964, começou a utilizar essa plataforma de motores em seus próprios veículos, como o Passat. A genialidade do projeto residia em sua versatilidade e na capacidade de evoluir, adaptando-se a diferentes necessidades de potência e torque ao longo dos anos.
A Chegada e Adaptação ao Brasil: Nasce uma Lenda Nacional
O motor que daria origem ao AP desembarcou no Brasil em
1974, equipando o Volkswagen Passat nacional. Inicialmente, era conhecido como
motor BR (para Passat 1.5) e BS (para Passat TS 1.6). A grande virada veio nos
anos 80, quando a Volkswagen do Brasil promoveu modificações e otimizações
significativas no projeto original do EA827, rebatizando-o como "Motor
AP".
As principais alterações incluíam um novo virabrequim,
bielas mais robustas e pistões redesenhados, visando maior durabilidade e
adaptação às condições de uso brasileiras, que frequentemente envolviam
combustíveis de qualidade variável e estradas nem sempre em perfeitas
condições. Foi essa "tropicalização" bem-sucedida que solidificou a
fama do AP.
Características Técnicas que Definiram o Motor AP
O Motor AP, ao longo de sua produção, apresentou diversas
variações, mas algumas características fundamentais permaneceram:
1. Configuração:
Quatro cilindros em linha.
2. Material
do Bloco: Ferro fundido, conhecido por sua extrema resistência a altas
temperaturas e pressões, fundamental para sua durabilidade e para o potencial
de preparação (especialmente turbo).
3. Material
do Cabeçote: Alumínio, que ajudava na dissipação de calor e reduzia o peso
na parte superior do motor.
4. Comando
de Válvulas: Simples no cabeçote (SOHC - Single Overhead Camshaft), com
duas válvulas por cilindro (totalizando 8 válvulas na maioria das versões).
Existiram versões raras com cabeçote de 16 válvulas (como no Gol GTI 16V e
Parati GTI 16V, baseados no motor EA113, uma evolução do EA827).
5. Acionamento
do Comando: Correia dentada.
6. Ciclo
de Funcionamento: Otto de 4 tempos.
7. Sistema
de Alimentação:
o Carburador:
Nas fases iniciais (Brosol/Solex simples ou duplos).
o Injeção
Eletrônica Monoponto (FIC/Bosch LE-Jetronic): Introduzida em modelos como o
Gol GTI (primeiro carro nacional com injeção eletrônica).
o Injeção
Eletrônica Multiponto (FIC/Bosch Motronic, Magneti Marelli): Evolução que
trouxe maior eficiência e controle.
8. Cilindradas
Comuns:
o AP-600
(1.6L): Diâmetro de 81mm e curso de 77,4mm (1595 cm³). Um dos mais
populares e equilibrados.
o AP-800
(1.8L): Diâmetro de 81mm e curso de 86,4mm (1781 cm³). Conhecido pelo bom
torque em baixas rotações.
o AP-2000
(2.0L): Diâmetro de 82,5mm e curso de 92,8mm (1984 cm³). O
"APzão", famoso pela força e por ser a base preferida para
preparações mais extremas.
o Outras
Variações: Existiram também versões 1.9L (AP-1900), geralmente criadas para
competições ou por preparadores através do aumento do curso do virabrequim do
1.8L ou retífica do 2.0L.
Aplicações: Os Carros que Carregaram o Coração AP
A lista de veículos da Volkswagen (e da Ford, durante a
Autolatina) que foram equipados com o Motor AP é extensa e emblemática:
- Volkswagen
Gol: Desde as primeiras gerações (BX) até o Gol G4, o AP foi o motor
padrão e o coração de diversas versões esportivas como GTS, GTI.
- Volkswagen
Parati: A perua derivada do Gol também utilizou o AP em quase toda sua
existência.
- Volkswagen
Saveiro: A picape compacta se beneficiou da robustez do AP para o
trabalho e lazer.
- Volkswagen
Voyage: O sedan compacto também foi um dos primeiros a receber o AP.
- Volkswagen
Passat: O precursor, que introduziu a família de motores no Brasil.
- Volkswagen
Santana e Quantum: Sedans e peruas maiores que exigiam mais força e
contaram com as versões 1.8 e 2.0 do AP.
- Volkswagen
Apollo: Fruto da Autolatina, era um Ford Verona com motor AP.
- Ford
Verona e Escort (XR3): Durante a Autolatina (parceria entre VW e
Ford), alguns modelos da Ford receberam o motor AP, como o Escort XR3 com
o AP 1.8 e o Verona/Apollo com o AP 1.8.
- Ford
Versailles e Royale: Derivados do Santana e Quantum, também usaram o
AP 1.8 e 2.0.
- Volkswagen
Logus e Pointer: Projetos da Autolatina com design Volkswagen e
mecânica que incluía o AP.
Essa ampla disseminação contribuiu enormemente para a
popularidade e facilidade de encontrar peças e mão de obra especializada para o
Motor AP.
Vantagens Inegáveis do Motor AP
A longevidade e o status de lenda do Motor AP não são por
acaso. Ele oferece uma série de vantagens que o consagraram:
1. Robustez
e Durabilidade: Talvez sua característica mais aclamada. O bloco de ferro
fundido superdimensionado e a simplicidade do projeto conferem uma resistência
excepcional ao desgaste, a altas temperaturas e a regimes de trabalho severos.
Não é raro encontrar motores AP com centenas de milhares de quilômetros rodados
ainda em pleno funcionamento.
2. Manutenção
Simples e Acessível: Sua mecânica é relativamente simples, sem grandes
complexidades eletrônicas (especialmente nas versões carburadas e com injeção
monoponto). Isso torna a manutenção mais fácil de ser realizada e,
consequentemente, mais barata.
3. Abundância
de Peças de Reposição: Devido à sua longa produção e vasta aplicação em
diversos modelos, o mercado de peças de reposição para o Motor AP é farto e
diversificado, com opções originais, paralelas e de performance, geralmente a
preços competitivos.
4. Imenso
Potencial de Preparação: Este é um dos maiores atrativos para os
entusiastas. O Motor AP "aceita" preparação como poucos. Seja para
projetos aspirados, com a instalação de comandos de válvulas mais agressivos,
carburadores maiores (como os Weber IDF), ou para projetos turbo, onde sua
estrutura robusta permite a instalação de turbocompressores que elevam a
potência a níveis impressionantes com relativa segurança estrutural. Kits turbo
para AP são facilmente encontrados no mercado.
5. Custo-Benefício:
Tanto na aquisição de um veículo usado equipado com AP quanto na sua manutenção
e eventual preparação, o motor oferece uma excelente relação custo-benefício.
6. Conhecimento
Técnico Difundido: Praticamente qualquer mecânico com alguma experiência no
Brasil conhece o Motor AP, o que facilita diagnósticos e reparos em qualquer
lugar do país.
Desvantagens e Pontos de Atenção do Motor AP
Apesar de suas inúmeras qualidades, o Motor AP também
apresenta alguns pontos que podem ser considerados desvantagens, especialmente
quando comparado a motores mais modernos:
1. Consumo
de Combustível: Em geral, os motores AP, principalmente os carburados e os
de maior cilindrada (1.8 e 2.0), tendem a ter um consumo de combustível mais
elevado em comparação com motores modernos de mesma potência com tecnologias
como injeção direta, downsizing e comandos variáveis.
2. Nível
de Ruído e Vibração: Por ser um projeto mais antigo e com foco na robustez,
o nível de ruído e vibração (NVH - Noise, Vibration, and Harshness) do Motor AP
costuma ser mais perceptível do que em propulsores contemporâneos, que contam
com coxins hidráulicos mais eficientes e balanceamento mais refinado.
3. Tecnologia
Datada: Embora eficiente para sua época, a tecnologia base do AP (8
válvulas, comando simples) não oferece o mesmo rendimento volumétrico,
eficiência energética e baixos níveis de emissões dos motores atuais com 16 ou
20 válvulas, comandos variáveis, turbocompressores de baixa inércia e injeção
direta.
4. Emissões
de Poluentes: Com o endurecimento das leis de emissões de poluentes (como
as fases do PROCONVE no Brasil), os motores AP foram encontrando cada vez mais
dificuldade para se adequar, o que acabou sendo um dos fatores para sua
descontinuação em veículos de passeio.
5. Vazamentos
de Óleo: Alguns pontos crônicos de vazamento de óleo, como na junta do
cárter, retentores do virabrequim e do comando, são relativamente comuns se a
manutenção preventiva não for rigorosa.
O Legado na Preparação Automotiva: O Queridinho das Pistas e Ruas
Nenhum outro motor no Brasil goza do mesmo prestígio que o
AP no mundo da preparação automotiva. Sua estrutura "parruda" permite
que preparadores extraiam números de potência e torque que seriam impensáveis
para muitos motores originais sem um massivo investimento em reforços internos.
- Projetos
Turbo: A combinação de bloco de ferro resistente e a vasta oferta de
peças de performance (turbinas, intercoolers, coletores, pistões e bielas
forjadas, módulos de injeção programáveis) torna os projetos "AP
Turbo" uma febre nacional. É comum ver Gol, Saveiro e outros modelos
com AP entregando 300, 400, 500 cavalos ou até mais, dominando arrancadas
e track days.
- Projetos
Aspirados: Para os puristas, a preparação aspirada do AP também tem
seu charme. Comandos de válvulas de maior graduação (como os famosos 049G,
027.7, ou os da Sam Cams), retrabalho de cabeçote, aumento da taxa de
compressão, sistemas de escape dimensionados e a substituição de
carburadores ou sistemas de injeção por corpos de borboleta individuais
(ITBs) podem render ganhos expressivos de potência e um ronco
inconfundível.
- Swap
de Motores: A facilidade de adaptação e a robustez do AP também o
tornaram uma escolha popular para "engine swaps" em outros
veículos que originalmente não o utilizavam.
Cuidados Essenciais para Manter seu Motor AP em Dia
Para garantir a longevidade e o bom funcionamento de um
Motor AP, alguns cuidados são fundamentais:
1. Troca
de Óleo e Filtro: Respeitar rigorosamente os prazos e especificações do
óleo lubrificante recomendados pelo fabricante.
2. Sistema
de Arrefecimento: Manter o sistema limpo, com o aditivo correto e verificar
regularmente o nível do líquido, mangueiras e válvula termostática. O
superaquecimento é um inimigo.
3. Correia
Dentada: Substituir preventivamente conforme a quilometragem ou tempo de
uso recomendado, pois sua quebra causa sérios danos ao motor.
4. Velas
e Cabos de Ignição: Verificar e substituir quando necessário para garantir
uma queima de combustível eficiente.
5. Filtros
de Ar e Combustível: Mantê-los limpos e substituí-los nos prazos corretos.
6. Regulagem
(Carburador/Injeção): Manter o sistema de alimentação sempre bem regulado
para otimizar o consumo e o desempenho.
O Fim de uma Era e o Legado Duradouro
A produção do Motor AP para veículos de passeio da
Volkswagen no Brasil foi gradualmente encerrada no início dos anos 2000, com os
últimos exemplares equipando modelos como o Gol G4 e a Parati G4 até por volta
de 2012 (já como motor EA113 Total Flex, uma evolução, mas ainda com a base
AP). As principais razões para sua descontinuação foram a necessidade de
atender a normas de emissões de poluentes cada vez mais rigorosas e a
introdução de novas famílias de motores mais modernos e eficientes, como o EA111
e, posteriormente, os EA211.
Apesar de não equipar mais carros novos, o Motor AP deixou
um legado que transcende as linhas de produção. Ele se tornou um ícone
cultural, sinônimo de confiabilidade para muitos brasileiros e o motor de
entrada para o mundo da performance para incontáveis entusiastas. A paixão pelo
"APzao" continua viva em clubes de proprietários, oficinas
especializadas, eventos de carros customizados e, claro, nas pistas de
arrancada e autódromos por todo o Brasil.
Conclusão: Mais que um Motor, Uma Paixão Nacional
O Motor AP da Volkswagen é um capítulo à parte na história
da indústria automotiva brasileira. Sua trajetória, desde as origens alemãs até
a consagração em solo nacional, é marcada pela engenharia inteligente,
adaptação bem-sucedida e uma capacidade de cativar gerações de motoristas e
preparadores.
Seja pela sua simplicidade mecânica que facilita a
manutenção, pela robustez que garante quilometragens elevadíssimas, ou pelo
incrível potencial de preparação que o transformou no rei das pistas amadoras e
profissionais, o AP conquistou um lugar especial no coração dos brasileiros.
Mesmo com o avanço da tecnologia e a chegada de motores mais sofisticados, o
ronco característico e a força bruta de um Motor AP bem cuidado ou preparado
ainda arrancam sorrisos e olhares de admiração, provando que algumas lendas
são, de fato, eternas. O "coração valente" da Volkswagen continua
pulsando forte na memória e nas garagens de muitos apaixonados por carros.
Perguntas Frequentes (FAQ) sobre o Motor AP
O que significa a sigla AP?
Popularmente no Brasil, AP ficou conhecido como "Alta
Performance" ou "Alto Desempenho". Oficialmente, a designação AP
dentro da Volkswagen do Brasil identificava a família de motores longitudinais,
enquanto AT (Alto Torque) identificava os transversais da época (como o EA111).
Contudo, a origem remonta à família EA827 da Audi.
Quais os melhores motores AP?
Depende do uso. O AP 1.6 é elogiado pelo equilíbrio entre
desempenho e economia (para os padrões do AP). O AP 1.8 oferece mais torque. O
AP 2.0 é o preferido para preparação devido à maior cilindrada e robustez
intrínseca.
Motor AP é bom para turbo?
Sim, é excelente. Sua estrutura superdimensionada,
especialmente o bloco de ferro, suporta bem o aumento de pressão gerado por um
turbocompressor, sendo uma das bases mais populares para projetos turbo no
Brasil.
Até que ano o Gol usou Motor AP?
O Gol utilizou o motor AP (e suas evoluções diretas) até a
geração G4, por volta de 2012/2013, quando as versões mais básicas ainda saíam
com o AP 1.6 Total Flex (identificado como EA113, mas com a arquitetura AP).
Qual a diferença do motor AP para o AE?
O motor AE (Alta Economia) era, na verdade, o antigo motor
CHT da Ford (originalmente um projeto Renault), que passou a equipar alguns
modelos da Volkswagen durante a Autolatina, como o Gol 1000 e algumas versões
do Escort. É um motor completamente diferente do AP em projeto e
características, focado mais na economia do que na performance.
Motor AP bebe muito?
Comparado a motores modernos de mesma cilindrada, sim, o AP
tende a ser menos econômico, especialmente as versões carburadas ou quando
preparado. No entanto, com manutenção em dia e uma condução suave, é possível
obter médias razoáveis.
O legado do Motor AP é uma prova de que um projeto bem concebido, focado na durabilidade e com espaço para evolução, pode transcender sua função original e se tornar um verdadeiro ícone cultural e tecnológico.